Como é o trabalho de um tradutor de livros?

Para desvendar esse mistério, liguei para o Rubens Figueiredo, que tem uma longa estrada no mundo literário. Ele se formou e pós-graduou em Letras (Português-Russo) na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), deu aulas de Língua Portuguesa na rede pública da capital carioca durante 25 anos, levou alguns prêmios – o Jabuti (1999), por As Palavras Secretas (176 págs., Cia. Das Letras, tel.: 11/3707-3500, 39 reais) e o Portugal Telecom de Literatura (2011), por Passageiro do Fim do Dia (200 págs., Cia das Letras, tel.: 11/3707-3500, 40 reais).

Rubens é também um dos principais tradutores em atuação no Brasil. A partir do inglês, trabalhou com livros do Philip Roth e, do russo, com autores como Maximo Gorki (1868-1936) e Liev Tolstói (1828-1910), de quem acaba de traduzir os Contos Completos (3 vol., 2080 págs., Cosac Naify, tel.: 11/ 3218-1497, 139,90 reais). Confira o que ele me contou sobre o ofício de tradutor:

Como é sua rotina de trabalho?
Faço tradução há 25 anos e, em 99% dos casos, as editoras me oferecer um trabalho. No dia a dia, uso muitos dicionários físicos e também na internet, que facilita a pesquisa de palavras. Eu traduzo algumas páginas por dia. No dia seguinte, eu releio as páginas escritas, faço as revisões necessárias e dou seguimento ao trabalho. Penso que é importante retomar o contato com o universo daquele livro depois de uma boa noite de sono, para que eu possa avaliar o meu trabalho com um pouco de distanciamento.

Após a tradução, o texto ainda passa por edição?
O texto traduzido é como um novo original para a editora. Por essa razão, ele passa por um preparador de originais que padroniza o texto segundo os critérios que a editora adota, verifica as informações presentes no material, confere se há pedaços faltantes e revisa o português. Em geral, depois desse momento, eu não acompanho mais a produção. A exceção é quando há coisas delicadas e eu peço para me mandarem de volta. Costumo fazer isso com os livros russos, pois são muito recuados no tempo, o que os fazem ter especificidades.

O que o tradutor deve fazer para não interferir demais no original?
Bom, eu procuro avaliar o sentido do texto que estou traduzindo e qual é o estilo do autor, como o tipo de vocabulário que ele usa, como prefere combinar as palavra e as estruturas sintáticas que ele prefere. Em alguma medida isso pode ser transposto ao português. Outro cuidado que tomo é tentar entender aquela obra no contexto histórico em que ela foi escrita, pois não se deve sobrepor o nosso tempo histórico ao do autor. Na verdade, é praticamente uma análise literária. Também tenho o cuidado final de que o texto em português fique bem convincente, não pode estar em uma linguagem indigesta.

Você atua nas duas frentes: escrita e tradução. Qual é a diferença no modo de trabalhar em cada uma delas?
De uns anos para cá, eu passei a encarar a atividade de escritor de uma forma bem mais próxima da atividade do tradutor. Isso porque, quando você escreve seu livro, parte de suas impressões, seus sentimentos e de ideias que estão incompletas, pois ainda são conjecturas. O escritor tem de traduzir isso para um texto em sua língua materna. Por isso, acredito que o que chamamos de criação deveria ser chamado de tradução. Traduzimos esse conjunto de conhecimentos para a linguagem verbal escrita. No caso de um texto que já está pronto em outra língua, esse conjunto de conhecimentos já foi organizado em linguagem verbal, porém em outro idioma. Então, preciso traduzir o que já foi traduzido pelo escritor dos originais. É como se fosse uma tradução em segunda instância ou uma fonte secundária.

Acaba de ser lançada uma coletânea com todos os contos do escritor russo Liev Tolstói, traduzidos por você. O que você destaca nesse trabalho?
contos tolstoiÉ o meu quarto projeto com Tolstói. Já havia traduzido, por exemplo, Ressurreição (432 págs., Ed. Cosac Naify, tel.: 11/ 3218-1497, 89 reais), que é um livro muito sincero e profundo, mas também extremamente contemporâneo. Nos contos, eu destaco o segundo volume, dedicado às produções desenvolvidas durante o trabalho dele na escola que criou para filhos de camponeses. Ele gostava de contar histórias populares, compartilhar os saberes dos próprios camponeses e desenvolver contos com os próprios alunos.

 

Fonte: https://novaescola.org.br/conteudo/4496/como-e-o-trabalho-de-um-tradutor-de-livros

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